Fernando Codá: paixão por formas e objetos |
RIO - A matemática brasileira está multiplicando seus talentos. A
operação, que diminuiu a praticamente zero a distância que
historicamente separava o Brasil de países com tradição secular nos
estudos da área, tem como foco a atuação do Instituto Nacional de
Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro. Fundada em 1952, a
instituição soma um recorde de pesquisadores convidados para serem
palestrantes no próximo Congresso Internacional de Matemática, marcado
para 2014 na Coreia do Sul, onde os quatro dividirão seus mais recentes
feitos com milhares de outros especialistas. E esta equação pode ter
como resultado a concessão da primeira Medalha Fields a um brasileiro.
Considerado o equivalente ao Nobel da matemática, o prêmio é restrito a
matemáticos jovens, com menos de 40 anos, e dois pesquisadores do Impa
aparecem como possíveis candidatos: Fernando Codá Marques e Artur Avila,
ambos com 33 anos.
Além da idade, os perfis de Codá e Avila têm
outras interseções. Para começar, os dois alcançaram notoriedade
internacional graças a seus trabalhos para resolver problemas que há
décadas perturbavam os matemáticos de todo o mundo. Ambos também estão
no conjunto de apenas três brasileiros já chamados para serem
palestrantes plenaristas no congresso. Avila falou aos colegas em 2010
em Hyderabad, na Índia, enquanto Codá fará sua apresentação na Coreia.
Antes deles, apenas Marcelo Viana, também pesquisador do Impa, tinha
sido plenarista, um prestigiado clube limitado a um máximo de 20
estudiosos a cada edição do evento, que acontece de quatro em quatro
anos, no encontro de 1998 em Berlim.
- Com a maturidade cada vez
maior da comunidade matemática brasileira, é normal que comecem a
aparecer indícios de candidatos do país à Medalha Fields, e os mais
naturais são justamente os que são ou já foram plenaristas no congresso -
avalia César Camacho, diretor-geral do Impa.
Martínis e rosquinhas
Em
2005, Avila, junto com a ucraniana Svetlana Jitomirskaya, provou a
“Conjectura dos dez martínis”, que apesar do nome não tem nada a ver com
a bebida preferida do Agente 007. Proposta pelo matemático americano
Barry Simon nos anos 80, ela versa sobre o comportamento dos chamados
“operadores de Schrödinger”, ferramentas matemáticas ligadas à física
quântica, e ganhou o apelido apenas porque um físico prometeu pagar esta
quantidade dos drinques a quem a provasse.
- Trabalho em uma
variedade de coisas, mas sempre quando entro em uma área nova costumo
olhar para os problemas que foram colocados nela anteriormente - diz
Avila. - Neste caso, o problema em si era bem atraente, então era uma
questão natural estudá-lo.
Já Codá contou com a colaboração do
português André Neves para provar, no ano passado, a “Conjectura de
Willmore”, ainda mais antiga que os “dez martínis” de Avila. Proposta há
quase 50 anos pelo geômetra inglês Thomas Willmore, ela envolve
cálculos para a configuração de objetos tridimensionais parecidos com
rosquinhas, cujas curvas apresentam uma energia elástica natural. Com
sua prova, Codá e Neves mostraram que a rosquinha ideal deve ter um
buraco no meio com um diâmetro equivalente a cerca de 17% da sua
grossura. Mais do que uma inspiração para confeiteiros entediados ou
apenas uma complexa abstração matemática, a descoberta é fundamental
para refinar os modelos biológicos de comportamento das membranas
celulares, que têm estruturas também parecidas com rosquinhas e tendem a
assumir formatos que minimizam esta energia elástica natural.
-
Nem sempre esta relação da matemática com outras ciências é clara, nem é
ela que guia o trabalho dos matemáticos, mais atraídos por questões de
estética e beleza, mas essa influência de suas descobertas em outras
áreas costuma aparecer, nem que seja muitos anos depois - conta Codá. - A
verdade é que, se a matemática parar, a física, a biologia, a
engenharia também vão estagnar, e por isso é importante para um país
manter um corpo de pesquisadores capacitados em matemática.
Neste
sentido, a atuação do Impa como centro de excelência mundial no estudo
da matemática ganha destaque. Em seus 60 anos de existência, a
instituição já formou mais de 200 doutores e hoje mantém uma média entre
150 e 170 alunos nos seus cursos de mestrado e doutorado. Com um
orçamento de cerca de R$ 20 milhões anuais, o Impa viu seu quadro de
professores-pesquisadores crescer de 29 em 2001 para os atuais 51. E
outra faceta importante do instituto é sua internacionalização. Segundo
Camacho, ele próprio de origem peruana, perto de um terço dos
matemáticos do Impa nasceram em outros países, assim como metade dos
alunos.
- Desde que foi criado, o Impa mantém sua missão de fazer
pesquisas de nível internacional, formar novos pesquisadores e
disseminar o estudo e o interesse na matemática em todos os seus níveis
no país - conclui Camacho.
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